Um 2023 desejante pra você*

Aquela sensação de que algo falta sempre vai existir, mas a gente pode fazer desse vazio um trampolim para viver mais intensamente.

Por Fábio Cadorin

Eu gostaria de poder escrever para você aqui uma lista de passos para tornar seu 2023 mais feliz. É isso que muita gente faz na internet e nas redes sociais. Mas venho aprendendo à base de muito estudo e, principalmente, por experiência de vida, que esse tipo de receita costuma ser pouco eficaz.

Todo mundo sabe que certos hábitos e comportamentos podem gerar uma vida mais equilibrada, organizada, saudável, tranquila e até mais feliz. Mas, acredite, no fundo, no fundo, esses adjetivos que parecem descrever a vida ideal não servem para a maioria das pessoas.

A rotina ajustada, de emoções leves, em algum momento reclama por aventura. E o que é aventura senão uma experiência mais radical e menos trivial?

Acontece que o que acelera um coração humano não faz nem cócega no outro. Enquanto um vibra loucamente com a conquista do seu time, o outro desliga a TV ao primeiro apito e vai ler um bom livro. Enquanto um se esbalda em uma nova e deliciosa receita gastronômica o outro corre uma hora sem parar tentando eliminar a última célula adiposa do organismo.

Esses exemplos podem soar como uma conversa sobre hobbies, mas o ponto onde quero chegar é mais profundo. Os hobbies até se encaixam aqui, porque falam de algo que escolhemos fazer por prazer e não por necessidade, obrigação ou recomendação alheia. Eles dão boas pistas sobre quem somos. E aqui chego ao centro dessa breve reflexão de fim de ano.

Quero falar de desejo. Como psicanalista, posso assegurar a você que, embora pareça contradição, costumamos fugir do nosso desejo. Quando o encaramos, algo lá no fundo nos provoca uma certa angústia, porque todo desejo aponta para uma falta. Se estivéssemos completos, por lógica, não haveria desejo. Mas quem disse que a gente lida bem com a ideia de incompletude? É por isso que este tempo de promessas de vida plena anda deixando muita gente confusa. Sobram garantias de que os produtos A, B ou C irão preencher o seu vazio. Aí você vai lá, compra e “bingo”, outro vazio aparece, e mais outro, e mais outro…

Resumindo, não há como fugir do vazio. Mas talvez exista uma forma de melhorar a experiência de viver mesmo com a paradoxal e constante presença dessa falta: bancar o seu desejo. Isso não é tão simples quanto parece, porque o desejo não se apresenta de maneira clara e óbvia. Mas em vez de passar horas e horas nas telas e vitrines apreciando os produtos A, B e C que os outros dizem ser o caminho da felicidade, talvez valha um mergulho honesto em si em busca do que realmente faz seu coração vibrar.

Nunca é um processo fácil, mas com certeza é uma experiência libertadora. Portanto, apesar de não gostar de dar conselhos, ouso dar um pitaco para sua entrada em 2023: banque seu desejo!


*Texto originalmente publicado no Portal Litoral Sul em 30 de dezembro de 2022.